Alla prima, 2015-2019



“Alla prima” vem de uma inquietude também perante o silêncio e imobilidade das imagens. O corpo humano, essa espécie de unidade fundamental da produção de imagens no Ocidente, é tanto o enfoque de sua pesquisa enquanto colecionador de imagens, como o instrumento através do qual o próprio corpo do intérprete se colocará perante o público. O seu olhar diz respeito à construção e invenção do Brasil – quais seriam os movimentos e vozes do grande número de imagens que em mais de cinco séculos foram capazes de criar certas ideias sobre o que seria o Brasil, os brasileiros e a brasilidade?

“Alla prima” comes from the restlessness of the silence and immobility of the images. The human body, this almost fundamental unit that dictates the production of images in the West, is both the focus of his research as an image collector and the instrument through which the performer's own body is placed before the audience. His view concerns to the construction and invention of Brazil – what are the movements and voices of the large number of images that in more than five centuries were able to create certain ideas about Brazil, Brazilians and Brazilianness?


Criação e interpretação/Director and performer:
Tiago Cadete
Consultor história da arte/History of Art Consultant: Raphael Fonsec
Figurinos/Costume Designer: Carlota Lagido
Assistente de projeto/Project Assistant: Bernardo Almeida
Colaboradores Voz-off/Voice-over: Priscila Maia; Raphael Fonseca, Raquel André; Sueli do Sacramento; Jonas Arrabal; Victor Dias; Laura Arbex; Felipe Abdala; Isabel Martins; Júlia Arbex; Breno de Faria; Daniela Seixas; Leandra Espirito Santo.
Fotografia de documentação/Resources Photography: Victor Dias
Fotografia de cena/Scene Photography: José Carlos Duarte
Assessoria de imprensa/Press: Mafalda Simões
Residência/Artistic Residency:
Centro Coreográfico do Rio de Janeiro
Apoio/Supported by:
Eira; Perfeitura do Rio de Janeiro
Acolhimentos:
Escola de Mulheres; ZDB | NEGÓCIO; Mala Voadora/PORTO
Co-produção/Co-Production: TEMPS D’IMAGES ‘15

09/12/2015
Escola de Mulheres/ Lisboa [PT]

27/01/2016- 30/01/2016 ZDB_Negócio/Lisboa [PT]

05/03/2016-06/03/2016
Mala voadora/Porto [PT]

27/07/2016-30/07/2016
Rua das Gaivotas 6 [PT]

03/08/2016
Festival Citemor [PT]

15/09/2017 -16/09/2017
Bienal Dança Sesc [BR]

10/11/2018 - 18/11/2018
Museu do Ipiranga [BR]

06/06/2019
Portuguese Platform for Performing Arts PT19 - Montemor-o-novo [PT]






Há uma anedota a respeito da obra de Michelangelo que parece oportuna para se iniciar esse texto. Em torno de 1515, ao finalizar o Moisés para o túmulo de Júlio II, em Roma, o artista teria dado uma martelada no joelho de sua escultura e incitado o homem marmóreo de olhar compenetrado e barbas longas a falar. Em outras palavras, sua escultura teria ficado tão realista que apenas faltaria a voz para que migrasse da representação do corpo humano para a aparição de um ente vivo. Michelangelo provocava de modo irônico a máxima dita por Horácio e Plutarco de que “a poesia é imagem que fala e a pintura é poesia muda”.

O que Tiago Cadete propõe com “Alla prima” vem de uma inquietude também perante o silêncio e imobilidade das imagens. O corpo humano, essa espécie de unidade fundamental da produção de imagens no Ocidente, é tanto o enfoque de sua pesquisa enquanto colecionador de imagens, como o instrumento através do qual o próprio corpo do intérprete se colocará perante o público. O seu olhar diz respeito à construção e invenção do Brasil – quais seriam os movimentos e vozes do grande número de imagens que em mais de cinco séculos foram capazes de criar certas ideias sobre o que seria o Brasil, os brasileiros e a brasilidade?

O termo “alla prima”, dentro da prática de pintura, diz respeito a uma técnica em que o artista enfrenta a tela diretamente, aplicando camadas de tinta sem esperar um tempo de secagem, causando uma espécie de sobreposição tanto de cores, quanto de imagens. De modo dialógico, o corpo do artista aqui responde diretamente a uma série de descrições sobre o que poderiam ser estes “corpos brasileiros”. Para além da narrativa histórica eurocêntrica que criou a teoria das três raças no Brasil – onde as populações africanas, europeias e indígenas seriam ingredientes deste caldeirão cultural –, sua anatomia se transforma num receptáculo de múltiplos criadores, culturas, etnias e proposições plásticas.

Através desta reencenação que se dá de modo transhistórico entre a visualidade e diferentes descrições orais/verbais, o corpo de Tiago Cadete acaba por desenhar uma nova coreografia deveras distante do samba e da alegria tropical comumente atribuída ao que poderia ser a “cultura brasileira”. De repente os trópicos ficam tristes e algumas das tentativas de colonização do Brasil a partir da imagem vem à tona.

Faz-se importante, então, sentir na pele o incômodo dessas poses e constatar que, mais do que uma geografia, o Brasil é um conceito constituído a partir de um corpo fictício que alinhava pedaços esquartejados de muitas vidas silenciadas pelo tempo.

_

Raphael Fonseca



There is an anecdote about Michelangelo's work that seems relevant to begin this text. Around 1515, when finishing the Moses for the tomb of Julius II, in Rome, the artist would have hammered the knee of his sculpture and urged the marbled man with deep eye and long beard to speak. In other words, his sculpture became so realistic that only the voice was missing for it to migrate from the representation of the human body to the appearance of a living being. Michelangelo ironically provoked the maxim said by Horacio and Plutarch that “poetry is an image that speaks and painting is silent poetry”.


What Tiago Cadete proposes with “Alla prima” comes from the restlessness of the silence and immobility of the images. The human body, this almost fundamental unit that dictates the production of images in the West, is both the focus of his research as an image collector and the instrument through which the performer's own body is placed before the audience. His view concerns to the construction and invention of Brazil – what are the movements and voices of the large number of images that in more than five centuries were able to create certain ideas about Brazil, Brazilians and Brazilianness?

The term "alla prima", within the practice of painting, refers to a technique in which the artist faces the canvas directly, applying layers of paint without waiting for them to dry, causing a kind of overlapping of both colors and images. In a dialogic way, the artist's body here responds directly to a series of descriptions about what these “Brazilian bodies” could be. In addition to the Eurocentric historical narrative that created the theory of the three races in Brazil – where African, European and Indigenous populations would be the ingredients of this cultural melting pot – its anatomy becomes a receptacle for multiple creators, cultures, ethnicities and plastic propositions.

Through this re-enactment that takes place in a transhistorical way between visuality and different oral/verbal descriptions, Tiago Cadete's body ends up designing a new choreography that is far removed from samba and the tropical joy commonly attributed to what could be “Brazilian culture”. Suddenly the tropics are sad and some of the attempts to colonize Brazil based on the image come to light.

It is important, then, to feel the discomfort of these poses on the skin and to note that, more than geography, Brazil is a concept constituted from a fictitious body that lined up dismembered pieces of many lives silenced by time.

_

Raphael Fonseca